
Jean-Jacques Rousseau na Educação
Seus escritos
Ainda
que um autodidata, Jean-Jacques Rousseau, nascido em Genebra, na Suíça, leitor
voraz desde tenra idade, desenvolvera uma curiosidade intelectual absolutamente
fantástica. Ao longo da sua vida - morreu de uremia aos 66 anos de idade em 2
de julho1778 - praticamente não houve área de interesse que lhe fosse estranha.
Ele escreveu sobre tudo, desde ensaios políticos que o
universalizaram (Discurso sobre a desigualdade, O Contrato social,
etc.) até sobre música e botânica. Além disso, consagrou-se como um notável
romancista, escrevendo um livro considerado como seminal para o movimento
romântico que o sucedeu - A nova Heloisa, 1757 - mantendo paralelamente uma
intensa correspondência com seus conterrâneos e adversários ideológicos ou
críticos da sua obra.
De certo modo, ele
inseriu-se na grande tradição francesa do intelectual engajado que atua em
todos os gêneros possíveis (jornalismo, composição de óperas, autoria de peças
teatrais, ensaio político e jurisconsulto), não deixando de fora as questões
sobre educação, cujo último representante foi Jean-Paul Sartre, morto em 1980.
Educação
Os tratados clássicos sobre educação que até então se conheciam voltavam-se
fundamentalmente para a instrumentalização e formação de alguém da elite: do
príncipe. Nos tempos clássicos foi celebrado o ensaio de Xenofonte, denominado
de Ciropédia, aparecido
no século 4 a.C., seguido da vasta obra de Plutarco intitulada Vidas Paralelas de Homens
Ilustres, no século 2, composta por 50 biografias curtas de
personagens do mundo político grecoromano para que servissem como exemplo aos
futuros estadistas e herdeiros das casas reais.
No Renascimento, foi a vez de Erasmo de Rotterdam com A Educação do Príncipe Cristão,
de 1515, escrito para atender a formação do então jovem Carlos V, que iria se
tornar "Imperador do Mundo", enquanto que Maquiavel em Florença
encerrava a redação do seu O Príncipe, em 1521, obra que se tornou um manual
político universal.
Rousseau, alma plebeia e democrata, voltou sua atenção para
educar alguém comum, um "aluno imaginário" que não tinha raízes na
alta sociedade, alguém vindo do mundo dos anônimos que ele batizou com o
singelo nome de Émile (Emilio).
O garoto em seus primeiros anos de formação não frequentou escola, passando
longe dos bancos escolares. Rousseau recomendou que lhe fossem apresentados
livros somente aos 15 anos, idade dos albores da razão, para que desta forma o
estado natural em que nascera se mantivesse intacto e sua boa alma não se visse
perturbada por nenhuma ideia ou tendência que pudesse infelicitá-lo.
O modelo de instrução
que ele então advogava repetia o do passado clássico, quando cada rapazinho
tinha um preceptor ou um tutor que lhe indicava os bons caminhos do aprendizado
e da vida. Avesso à autoridade, o pensador reservava ao preceptor um papel
discreto, uma espécie de guia confiável apto a fazer o aluno escapar das
pequenas armadilhas da existência.
Neste espaço de tempo Émile crescia
sem ver seu corpo castigado por varas ou sua mão inchada pelo castigo da
palmatória. Mas isto não significava atender ao capricho da criança, pois tal
concessão significava a ruína de um projeto que ele supunha ser bem-sucedido.
Alimentado desde as primeiras horas pelo leite materno, andava sempre mais
próximo da natureza possível. Quanto mais tempo ele tardasse em frequentar a
sociedade, maior seriam suas oportunidades de manter-se fiel à bondade natural.
Sim, porque Rousseau entendia que todos os malefícios que os homens e as
mulheres sofriam decorriam do convívio em sociedade.
Era a
sociedade/civilização que de certa forma obrigava-os a serem falsos, a
mentirem, a serem hipócritas, a externar pensamentos que não eram os seus
próprios. Ele percebera, quando frequentara os salões de Paris, que a maioria
das pessoas vivia como se estivesse num teatro representando personagens que
nada tinham a haver com a sua autêntica personalidade ou maneira de ser.
Devemos lembrar que ao
longo do século 18 todas as pessoas que frequentavam os ambientes sociais
(aristocratas, nobres e burgueses), que se reuniam nos palácios e nas mansões,
que se faziam presentes nas festas, usavam peruca (homens e mulheres), usavam
maquiagem (homens e mulheres) e vestiam-se com extravagância (meias de seda,
calças de cetim, casacos de fustão coloridos, etc.), recorrendo muitos deles às
mascaras nas noites de bailes. Homens usavam salto alto para disfarçar a baixa
estatura, enquanto as mulheres recorriam aos espartilhos e anquinhas para
realçar as formas que não eram as delas. Não se esquecendo de mencionar os
exageros do ruge, do baton e das unhas pintadas.
Em sociedade, enfim,
todos aparentavam ser outra coisa do que realmente eram. E o que ocorria com o
figurino deles repetia-se com os sentimentos, fingindo emoções, simulando
afetos que não cultivavam, disfarçando os ódios que os embalavam por detrás de
sorrisos e afabilidades enganadoras. Era contra esta encenação social que ele
se voltou, pregando o retorno às relações naturais e autênticas.
E isto só poderia ser
retomado se os homens voltassem a frequentar a natureza, se fizessem como ele,
que se tornou adepto das caminhadas em meios aos bosques e pradarias colhendo
plantas para o seu herbário. Para escapar das armadilhas da civilização,
somente o ambiente natural tem o poder de salvar o homem da perdição da vida
social.
Se o ser humano nasce
bom, o castigo físico é um crime, uma brutalidade inútil que somente avilta a
criança e a predispõe à mentira e à falsidade para escapar das punições
severas. Igualmente de nada lhe serve a instrução religiosa. O pensador
acreditava que cada um escolheria sua fé quando atingisse a idade da razão, sem
a imposição de padres ou pastores instrutores. Ele, pessoalmente, simpatizava
com "a religião da humanidade", acreditando haver em cada um de nós
uma inclinação humanitária natural que nos predispunha a ajudar o próximo e a
socorrê-lo sem que fosse necessário consultar os Livros Sagrados ou ser
ordenado por um sacerdote.
Também rejeitou no seu
ensaio pedagógico usar como exemplo a vida dos grandes estadistas e príncipes
do passado. Apesar de ser um admirador confesso de Plutarco, que enalteceu os
estadistas célebres, Rousseau procurou mostrar que muitos deles eram homens
infelizes, que apesar do poder e da riqueza que concentraram não conseguiram
ter uma vida saudável, tornando-se amargurados e solitários em meio a famílias
destruídas pela cobiça e pela inveja.
Émile devia
seguir o seu coração, não precisava imitar ninguém, pois quanto mais mantivesse
a originalidade dos seus sentimentos mais próximo da felicidade se encontraria.
Reação hostil
O livro de Rousseau foi condenado em todas as partes como um manual ateu, como
obra de um anti-Cristo, um pensador que mesmo dizendo-se cristão queria
suprimir com o cristianismo. De Paris, enviaram um decreto de prisão e, pouco
depois, a Universidade de Sorbone emitiu um decreto de censura (agosto de
1762).
O que mais pessoalmente o atingiu foi a determinação do Pequeno
Conselho de Genebra, sua cidade natal, ter ordenado a incineração da obra pela
mão do carrasco, em junho de 1762. O que o levou a escrever as memoráveis Cartas Escritas da Montanha (Lettres écrites de la montagne,
1763-1764), em defesa do Émile e
do Contrato Social, que
foram publicados no mesmo ano de 1762. E, também, no ano seguinte, o anúncio do
seu rompimento com a cidade e a rejeição do título de cidadão de Genebra.
Refugiado num lugarejo
suíço chamado Motiers, em setembro de 1765, ele foi vítima de um apedrejamento
incitado por um pastor que atiçou a população local contra ele, incidente que
felizmente não provocou maiores consequências, mas o assustou o suficiente para
exilar-se em Londres.
Voltaire, inimigo
declarado de Rousseau, achou os livros dele "obras de um louco" e que
bem mereciam o destino das chamas. Mas, gradativamente, o texto de Rousseau se
destacou das demais obras dos iluministas fazendo dele o melhor representante
do movimento e um dos mais influentes pensadores que a França produziu até o
surgimento de Jean Paul Sartre na segunda metade do século 20.
Principais obras
·
Discurso Sobre as Ciências e as Artes
·
Discurso Sobre a Origem da Desigualdade Entre os Homens
·
Do Contrato Social
·
Emílio, ou da Educação
·
Os Devaneios de um Caminhante Solitário
Cronologia
·
1712: Nasce
em Genebra a 28 de junho Jean-Jacques Rousseau. Suzanne Bernard, mãe de
Rousseau, morre em 7 de julho.
·
1719: Daniel Defoe publica Robinson Crusoé, uma das principais influências
literárias de Rousseau.
·
1745: Une-se
a Thérèse Levasseur, com quem tem cinco filhos, que são abandonados.
·
1755: Publica
o "Discurso
sobre a origem da desigualdade" e o "Discurso
sobre a economia política".
·
1776: Escreve
os Devaneios de
um Caminhante Solitário. Declaração da Independência das colônias
inglesas na América.
·
1778:
Rousseau termina de escrever os Devaneios. Morre em 2 de julho e é
sepultado em Ermenonville. Seus restos mortais foram
traslados para o Panteão de Paris em 1794. Morte de
Voltaire.
Bibliografia
Dent, N.J.H. - Dicionário Rousseau. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.
Goyard-Fabre, Simone (org.) - Politique
de Rousseau.Montmorency: Musée Jean-Jacques Rousseau, 1995.
Rousseau, Jean-Jacques - Emilio ou da educação. São Paulo:
Difel, 196.
Rousseau, Jean-Jacques - Oeuvres completes. Paris: Éditions Du Seuil, 1971, 3
v.
Starobisnki, Jean - Jean-Jacques Rousseau, a transparência e o obstáculo. São
Paulo: Cia. das Letras, 1991.
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