quarta-feira, 13 de novembro de 2013

EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO

Vamos falar sobre Inclusão
Necessidades Educativas Especiais (NEE)
História e definições
O conceito de Necessidades Educativas Especiais passou a ser conhecido em 1987 a partir da sua formulação no "passos coelho e Paulo portas", apresentado ao parlamento doReino Unido, pela Secretaria de Estado para a Educação e Ciência, Secretaria do Estado para a Escócia e a Secretaria do Estado para o País de Gales. Este relatório foi o resultado do 1º comitê britânico constituído para reavaliar o atendimento aos deficientes, presidido porMary Warnock. As suas conclusões demonstraram que vinte por cento das crianças apresenta NEE em algum período da sua vida escolar. A partir destes dados, o relatório propôs o conceito de NEE.
O conceito de NEE só foi adotado e redefinido a partir da Declaração de Salamanca(UNESCO, 1994), passando a abranger todas as crianças e jovens cujas necessidades envolvam deficiências ou dificuldades de aprendizagem. Desse modo, passou a abranger tanto as crianças em desvantagem como as chamadas sobredotadas, bem como crianças de rua ou em situação de risco, que trabalham, de populações remotas ou nômades, pertencentes a minorias étnicas ou culturais, e crianças desfavorecidas ou marginais, bem como as que apresentam problemas de conduta ou de ordem emocional.


Contexto histórico da construção da Educação Inclusiva no Brasil

A partir de meados do século XX, com a intensificação dos movimentos sociais de luta contra todas as formas de discriminação que impedem o exercício da cidadania das pessoas com deficiência, emerge, em nível mundial, a defesa de uma sociedade inclusiva. No decorrer desse período histórico, fortalece-se a crítica às práticas de categorização e segregação de estudantes encaminhados para ambientes especiais, que conduzem, também, ao questionamento dos modelos homogeneizadores de ensino e de aprendizagem, geradores de exclusão nos espaços escolares.
Na busca de enfrentar esse desafio e construir projetos capazes de superar os processos históricos de exclusão, a Conferência Mundial de Educação para Todos, Jomtien/1990, chama a atenção dos países para os altos índices de crianças, adolescentes e jovens sem escolarização, tendo como objetivo promover as transformações nos sistemas de ensino para assegurar o acesso e a permanência de todos na escola.
Os principais referenciais que enfatizam a educação de qualidade para todos, ao constituir a agenda de discussão das políticas educacionais, reforçam a necessidade de elaboração e a implementação de ações voltadas para a universalização do acesso na escola no âmbito da educação fundamental, a oferta da educação infantil nas redes públicas de ensino, a estruturação do atendimento às demandas de alfabetização e da modalidade de educação de jovens e adultos, além da construção da gestão democrática da escola.
No contexto do movimento político para o alcance das metas de educação para todos, a Conferência Mundial de Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, realizada pela UNESCO em 1994, propõe aprofundar a discussão, problematizando os aspectos acerca da escola não acessível a todos estudantes.
A partir desta reflexão acerca das práticas educacionais que resultam na desigualdade social de diversos grupos, o documento Declaração de Salamanca e Linhas de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais proclama que as escolas comuns representam o meio mais eficaz para combater as atitudes discriminatórias, ressaltando que:
O princípio fundamental desta Linha de Ação é de que as escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Devem acolher crianças com deficiência e crianças bem dotadas; crianças que vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minorias lingüísticas, étnicos ou culturais e crianças de outros grupos e zonas desfavorecidas ou marginalizados. (Brasil, 1997, p. 17 e 18).
No paradigma da inclusão, ao afirmar que todos se beneficiam quando as escolas promovem respostas às diferenças individuais de estudantes, são impulsionados os projetos de mudanças nas políticas públicas. A partir dos diversos movimentos que buscam repensar o espaço escolar e da identificação das diferentes formas de exclusão, geracional, territorial, étnico racial, de gênero, dentre outras, a proposta de inclusão escolar começa a ser gestada.
Esta perspectiva conduz ao debate sobre os rumos da educação especial, tornando-se fundamental para a construção de políticas de formação, financiamento e gestão, necessárias para a transformação da estrutura educacional a fim de assegurar as condições de acesso, participação e aprendizagem de todos estudantes, concebendo a escola como um espaço que reconhece e valoriza as diferenças.
Paradoxalmente ao crescente movimento mundial pela inclusão, em 1994 o Brasil publica o documento Política Nacional de Educação Especial, alicerçado no paradigma integracionista, fundamentado no princípio da normalização, com foco no modelo clínico de deficiência, atribuindo às características físicas, intelectuais ou sensoriais dos estudantes, um caráter incapacitante que se constitui em impedimento para sua inclusão educacional e social.
Esse documento define como modalidades de atendimento em educação especial no Brasil: as escolas e classes especiais; o atendimento domiciliar, em classe hospitalar e em sala de recursos; o ensino itinerante, as oficinas pedagógicas; a estimulação essencial e as classes comuns. Mantendo a estrutura paralela e substitutiva da educação especial, o acesso de estudantes com deficiência ao ensino regular é condicionado, conforme expressa o conceito que orienta quanto à matrícula em classe comum:
Ambiente dito regular de ensino/aprendizagem, no qual também, são matriculados, em processo de integração instrucional, os portadores de necessidades especiais que possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais. (Brasil,1994, p.19)
Ao invés de promover a mudança de concepção favorecendo os avanços no processo de inclusão escolar, essa política demonstra fragilidade perante os desafios inerentes à construção do novo paradigma educacional. Ao conservar o modelo de organização e classificação de estudantes, estabelece-se o antagonismo entre o discurso inovador de inclusão e o conservadorismo das ações que não atingem a escola comum no sentido da sua ressignificação e mantém a escola especial como espaço de acolhimento daqueles estudantes considerados incapacitados para alcançar os objetivos educacionais estabelecidos.
Esse posicionamento não se traduz em práticas transformadoras capazes de propor alternativa e estratégias de formação e implantação de recursos nas escolas que respondam afirmativamente às demandas dos sistemas de ensino. Como resultado identifica-se a continuidade das práticas tradicionais que justificam a segregação em razão da deficiência e do suposto despreparo da escola comum, historicamente desprovida de investimentos necessários ao atendimento das especificidades educacionais desse grupo.
Nesse período as diretrizes educacionais brasileiras respaldam o caráter substitutivo da educação especial, embora expressem a necessidade de atendimento às especificidades apresentadas pelo estudante na escola comum. Tanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) quanto a Resolução 02 do Conselho Nacional de Educação (2001) denotam ambiguidade quanto à organização da Educação Especial e da escola comum no contexto inclusivo. Ao mesmo tempo em que orientam a matrícula de estudantes público alvo da educação especial nas escolas comuns da rede regular de ensino, mantém a possibilidade do atendimento educacional especializado substitutivo à escolarização.
No inicio do século XXI, esta realidade suscita mobilização mais ampla em torno do questionamento à estrutura segregativa reproduzida nos sistemas de ensino, que mantém um alto índice de pessoas com deficiência em idade escolar fora da escola e a matrícula de estudantes público alvo da educação especial, majoritariamente, em escolas e classes especiais.
A proposta de um sistema educacional inclusivo passa, então, a ser percebida na sua dimensão histórica, enquanto processo de reflexão e prática, que possibilita efetivar mudanças conceituais, político e pedagógicas, coerentes com o propósito de tornar efetivo o direito de todos à educação, preconizado pela Constituição Federal de 1988.
A Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência outorgada pela ONU em 2006 é ratificada pelo Brasil como emenda constitucional, por meio do decreto Legislativo 186/2008 e pelo Decreto Executivo 6949/2009. Este documento sistematiza estudos e debates mundiais realizados ao longo da última década do séc. XX e nos primeiros anos deste século, criando uma conjuntura favorável à definição de políticas públicas fundamentadas no paradigma da inclusão social.
Esse tratado internacional altera o conceito de deficiência que, até então, representava o paradigma integracionista, calcado no modelo clínico de deficiência, em que a condição física, sensorial ou intelectual da pessoa se caracterizava como obstáculo a sua integração social, cabendo à pessoa com deficiência, se adaptar às condições existentes na sociedade.
De acordo com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (ONU Art. 1)
No paradigma da inclusão, à sociedade cabe promover as condições de acessibilidade necessárias a fim de possibilitar às pessoas com deficiência viverem de forma independente e participarem plenamente de todos os aspectos da vida. Nesse contexto, a educação inclusiva torna-se um direito inquestionável e incondicional. O artigo 24 versa sobre o direito da pessoa com deficiência à educação ao afirmar que:
[..] para efetivar  esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades,  os estados partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida[..].(ONU,2006).
Esse princípio fundamenta a construção de novos marcos legais, políticos e pedagógicos da educação especial e impulsiona os processos de elaboração e desenvolvimento de propostas pedagógicas que visam assegurar as condições de acesso e participação de todos os estudantes no ensino regular.
Com objetivo de apoiar a transformação dos sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos, a partir de 2003, são implementadas estratégias para a disseminação dos referenciais da educação inclusiva no país. Para alcançar este propósito, é instituído o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, que desenvolve o amplo processo de formação de gestores e de educadores, por meio de parceria entre o Ministério da Educação, os estados, os municípios e o Distrito Federal.
Assim, tem início a construção de uma nova política de educação especial que enfrenta o desafio de se constituir, de fato, como uma modalidade transversal desde a educação infantil à educação superior. Neste processo são repensadas as práticas educacionais concebidas a partir de um padrão de estudante, de professor, de currículo e de gestão, redefinindo a compreensão acerca das condições de infra-estrutura escolar e dos recursos pedagógicos fundamentados da concepção de desenho universal.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

FREUD E A EDUCAÇÃO - PARTE II





A PSICANÁLISE  - PARTE II

SEGUNDO FREUD 
O inconsciente
Diz Freud, não é o subconsciente. Este é aquele grau da consciência como consciência passiva e consciência vivida não-reflexiva, podendo tomar-se plenamente consciente. O inconsciente, ao contrário, jamais será consciente diretamente, podendo ser captado apenas indiretamente e por meio de técnicas especiais de interpretação desenvolvidas pela psicanálise.
Atos falhos ou sintomáticos
   Os chamados Atos sintomáticos são para Freud evidência da força e individualismo do inconsciente: e sua manifestação é comum nas pessoas sadias. Mostram a luta do consciente com o subconsciente (conteúdo evocável) e o inconsciente (conteúdo não evocável). São os lapsus linguae, popularmente ditos "traição da memória", ou mesmo convicções enganosas e erros que podem ter conseqüências graves.
Motivação
   Para explicar o comportamento Freud desenvolve a teoria da motivação sexual (sobrevivência da espécie) e do instinto de conservação (sobrevivência individual). Mas todas as suas colocações giram em torno do sexo. A força que orienta o comportamento estaria no inconsciente e seria o instinto sexual.
Fases do desenvolvimento sexual
   Freud contribuiu com uma teoria das fases do desenvolvimento do indivíduo. Este passa por sucessivos tipos de caráter: oral, anal e genital. Pode sofrer regreção de um dos dois últimos a um ou outro dos dois anteriores, como pode sofrer fixação em qualquer das fases precoces.  Essas fases se desenvolverão entre os primeiros meses de vida e os 5 ou 6 anos de idade, e estão ligadas ao desenvolvimento do Id:
(1) Na fase oral, ou fase da libido oral, ou hedonismo bucal, o desejo e o prazer localizam-se primordialmente na boca e na ingestão de alimentos e o seio materno, a mamadeira, a chupeta, os dedos são objetos do prazer;
(2) Na fase anal, ou fase da libido ou hedonismo anal, o desejo e o prazer localizam-se primordialmente nas excreções e fezes. Brincar com massas e com tintas, amassar barro ou argila, comer coisas cremosas, sujar-se são os objetos do prazer;
(3)Na fase genital ou fase fálica, ou fase da libido ou hedonismo genital, o desejo e o prazer localizam-se primordialmente nos órgãos genitais e nas partes do corpo que excitam tais órgãos. Nessa fase, para os meninos, a mãe é o objeto do desejo e do prazer; para as meninas, o pai.
Tipos de personalidade
   Aqueles que se detêm em seu desenvolvimento emocional, e por algum motivo se fixam em qualquer uma das fases transitórias (Freud. 1908), constituem tipos e subtipos de personalidade nomeados segundo a fase correspondente de fixação.
   O tipo que se detém na fase oral é o Oral receptivo, pessoa dependente - espera que tudo lhe seja dado sem qualquer reciprocidade; ou o Oral sadístico, o que se decide a empregar a força e a astúcia para conseguir o que deseja. Explorador e agressivo, não espera que alguém lhe dê voluntariamente qualquer coisa.
O Anal sadístico é impulsivamente avaro, e sua segurança reside no isolamento. São pessoas ordenadas e metódicas, parcimoniosas e obstinadas.
O tipo genital é a pessoa plenamente desenvolvida e equilibrada.
Complexo de Édipo
Depois de ver nos seus clientes o funcionamento perfeito da estrutura tripartite da alma conforme a teoria de Platão, Freud volta à cultura grega em busca de mais elementos fundamentais para a construção de sua própria teoria.
No centro do "Id", determinando toda a vida psíquica, constatou o que chamou Complexo de Édipo, isto é, o desejo incestuoso pela mãe, e uma rivalidade com o pai. Segundo ele, é esse o desejo fundamental que organiza a totalidade da vida psíquica e determina o sentido de nossas vidas. Freud introduziu o conceito no seu Interpretação dos Sonos (1899). O termo deriva do herói grego Édipo que, sem saber, matou seu pai e se casou com sua mãe. Freud atribui o complexo de Édipo às crianças de idade entre 3 e 6 anos. Ele disse que o estágio geralmente terminava quando a criança se identificava com o parente do mesmo sexo e reprimia seus instintos sexuais. Se o relacionamento prévio com os pais fosse relativamente amável e não traumático, e se a atitude parental não fosse excessivamente proibitiva nem excessivamente estimulante, o estágio seria ultrapassado harmoniosamente. Em presença do trauma, no entanto, ocorre uma neurose infantil que é um importante precursor de reações similares na vida adulta. O Superego, o fator moral que domina a mente consciente do adulto, também tem sua parte no processo de gerar o complexo de ÉdipoFreud considerou a reação contra o complexo de Édito a mais importante conquista social da mente humana. Psicanalistas posteriores consideram a descrição deFreud imprecisa, apesar de conter algumas verdades parciais.

Complexo de Eletra
complexo de Electra define-se como sendo uma atitude emocional que, segundo as doutrinas psicanalíticas, todas as meninas têm para com a sua mãe; trata-se de uma atitude que implica uma identificação tão completa com a mãe que a filha deseja, inconscientemente, eliminá-la e possuir o pai. Freud referia-se a ele como Complexo de Édipo Feminino, tendo Jung dado o nome "Complexo de Electra", baseando-se no mito de Eletra, filha de Agamemnon. Freud rejeitava o uso de tal termo por este enfatizar a analogia da atitude entre os dois sexos.
O complexo de Electra é, muitas vezes, incluído no complexo de Edipo, já que os princípios que se aplicam a ambos são muito semelhantes.
Mais em:
Narcisismo
Conta o mito que o jovem Narciso, belíssimo, nunca tinha visto sua própria imagem. Um dia, passeando por um bosque, encontrou um lago. Aproximou-se e viu nas águas um jovem de extraordinária beleza e pelo qual apaixonou-se perdidamente. Desejava que o jovem saísse das águas e viesse ao seu encontro, mas como ele parecia recusar-se a sair do lago, Narciso mergulhou nas águas, foi ás profundezas á procura do outro que fugia, morrendo afogado. Narciso morrera de amor por si mesmo, ou melhor, de amor por sua própria imagem ou pela auto-imagem. O narcisismo é o encantamento e a paixão que sentimos por nossa própria imagem ou por nós mesmos, porque não conseguimos diferenciar um do outro. Como crítica à humanidade em geral - que se pode vislumbrar em Freud -narcisismo é a bela imagem que os homens possuem de si mesmos, como seres ilusoriamente racionais e com a qual estiveram encantados durante séculos.

Perversão
Porém, assim como a loucura é a impossibilidade do Ego para realizar sua dupla função (conciliação entre Id e Superego, e entre estes e a realidade), também a sublimação pode não ser alcançada e, em seu lugar, surgir uma perversão ou loucura social ou coletiva. O nazismo é um exemplo de perversão, em vez de sublimação. A propaganda, que induz no leitor ou espectador desejos sexuais pela multiplicação das imagens de prazer, é outro exemplo de perversão ou de incapacidade para asublimação.
Os sonhos: conteúdo manifesto e conteúdo latente (Significados conscientes e subconscientes)
A vida psíquica dá sentido e coloração afetivo-sexual a todos os objetos e a todas as pessoas que nos rodeiam e entre os quais vivemos. As coisas e os outros são investidos por nosso inconsciente com cargas afetivas de libido. Assim, sem que saibamos por que, desejamos e amamos certas coisas e pessoas e odiamos e tememos outras.
É por esse motivo que certas coisas, certos sons, certas cores, certos animais, certas situações nos enchem de pavor, enquanto outras nos trazem bem-estar, sem que saibamos o motivo. A origem das simpatias e antipatias, amores e ódios, medos e prazeres desde a nossa mais tenra infância, em geral nos primeiros meses e anos de nossa vida, quando se formaram as relações afetivas fundamentais e ocomplexo de Édipo.
A dimensão imaginária de nossa vida psíquica - substituições, sonhos, lapsos, atos falhos, prazer e desprazer, medo ou bem-estar com objetos e pessoas - indica que os recursos inconscientes surgem na consciência em dois níveis: o nível do conteúdo manifesto (escada, mar e incêndio, no sonho; a palavra esquecida e a pronunciada, no lapso; o pé torcido ou objeto partido, no ato falho) e o nível do conteúdo latente, que é o conteúdo inconsciente verdadeiro e oculto (os desejos sexuais). Nossa vida normal se passa no plano de conteúdos manifestos e, portanto, no imaginário. Somente uma análise psíquica e psicológica desses conteúdos, por meio de técnicas especiais (trazidas pela psicanálise), nos permite decifrar o conteúdo latente que se dissimula sob o conteúdo manifesto.


FREUD E A EDUCAÇÃO - ID, EGO E SUPEREGO


A PSICANÁLISE 
FREUD


Os Níveis de Personalidade
    Nos primeiros trabalhos, Freud sugeria a divisão da vida mental em duas partes: consciente e inconsciente. A porção consciente, assim como a parte visível do iceberg, seria pequena e insignificante, preservando apenas uma visão superficial de toda a personalidade. A imensa e poderosa porção inconsciente - assim como a parte submersa do iceberg - conteria os instintos, ou seja, as forças propulsoras de todo comportamento humano.
    Nos trabalhos posteriores, Freud reavaliou essa distinção simples entre o consciente e o inconsciente e propôs os conceitos de *Id, **Ego e ***Superego. O "ID", grosso modo, correspondente à sua noção inicial de inconsciente, seria a parte mais primitiva e menos acessível da personalidade. Freud afirmou: "Nós chamamos de (...) um caldeirão cheio de axcitações fervescentes. [O id] desconhece o julgamento de valores, o bem e o mal, a moralidade" (Freud, 1933, p. 74). As forças do id buscam a satisfação imediata sem tomar conhecimento das circunstâncias da realidade. Funcionam de acordo com o princípio do prazer, preocupadas em reduzir a tensão mediante a busca do prazer e evitando a dor. A palavra em alemão usada por Freud para id era es, que queria dizer "isso", termo sugerido pelo psicanalista Georg Grddeck, que enviara a Freud o manuscrito do seu livro intitulado The book of it (Isbister, 1985).

    O id contém a nossa energia psíquica básica, ou a libido, e se expressa por meio da redução de tensão. Assim, agimos na tentativa de reduzir essa tensão a um nível mais tolerável. Para satisfazer às necessidades e manter um nìvel confortável de tensão, é necessário interagir com o mundo real. Por exemplo: as pessoas famintas devem ir em busca de comida, caso queiram descarregar a tensão induzida pela fome. Portanto, é necessário estabelecer alguma espécie de ligação adequada entre as demandas do id e a realidade.
      O ego serve como mediador, um facilitador da interação entre o id e as circunstâncias do mundo externo. O ego representa a razão ou a racionalidade, ao contrário da paixão insistente e irracional do id.Freud chamava o ego de ich, traduzido para o inglês como  "I"  (Eu"  em português). Ele não gostava da palavra ego e raramente a usava. Enquanto o id anseia cegamente e ignora a realidade, o ego tem consciência da realidade, manipula-a e, dessa forma, regula o id. O ego obedece ao princípio da realidade, refreando as demandas em busca do prazer até encontrar o objeto apropriado para satisfazer a necessidade e reduzir a tensão. 
    O ego não existe sem o id; ao contrário, o ego extrai sua força do id. O ego existe para ajudar o id e está constantemente lutando para satisfazer os instintos do idFreud comparava a interação entre o ego e o idcom o cavaleiro montando um cavalo fornece energia para mover o cavaleiro pela trilha, mas a força do animal deve ser conduzida ou refreada com as  rédeas, senão acaba derrotando o ego racional.
      A terceira parte da estrutura da personalidade definida por Freud,o superego,desenvolve-se desde o inicio da vida,quando a criança assimila as regras de comportamento ensinadas pelos pais ou responsáveis mediante o sistema de recompensas e punições. O comportamento inadequado  sujeito à punição torna-se parte da consciência da criança, uma porção do superego. O comportamento aceitável para os pais ou para o grupo social e que proporcione a recompensa torna-se parte do ego-ideal, a outra porção do superego. O comportamento aceitável para os pais ou para o grupo social e que proporcione a recompensa torna-se parte do ego- ideal, a outra porção do superego. Dessa forma, o comportamento é determinado inicialmente pelas ações dos pais; no entanto, uma vez formado o superego, o comportamento é determinado pelo autocontrole. Nesse ponto, a pessoa administra as próprias recompensas ou punições. O termo cunhado por Freud para o superego foi über-ich, que significa literalmente "sobre-eu".
   O superego representa a moralidade. Freud descreveu-o como o "defensor da luta em busca da perfeição - o superego é, resumindo, o máximo assimilado psicologicamente pelo indivíduo do que é considerado o lado superior da vida humana" (Freud, 1933, p. 67). Observe-se então, que, obviamente, osuperego estará em conflito com o id. Ao contrário do ego, que tenta adiar a satisfação do id para momentos e lugares mais adequados, o superego tenta inibir a completa satisfação do id.
     Assim Freud imaginava a constante luta dentro da personalidade quando o ego é pressionado pelas forças contrárias insistentes. O ego deve tentar retardar os ímpetos agressivos e sexuais do id, perceber e manipular a realidade para aliviar a tensão resultante, e lidar com a busca do superego pela perfeição. E, quando o ego é pressionado demais, o resultado é a condição definida por Freud como ansiedade.
 *Id: fonte de energia psíquica e o aspecto da personalidade relacionado aos instintos.
 **Ego: aspecto racional da personalidade responsável pelo controle dos instintos.
 ***Superego: o aspecto moral da personalidade, produto da internalização dos valores e padrões recebidos dos pais e da sociedade.

Em resumo

ID: Constitui o reservatório de energia psiquica, é onde se localizam as pulsões de vida e de morte. As características atribuídas ao sistema incosciente. É regido pelo princípio do prazer (Psiquê que visa apenas o prazer do indivíduo).
EGO: É o sistema que estabelece o equilíbrio entre as exigências do id, as exigências da realidade e as ordens do superego. A verdadeira personalidade, que decide se acata as decisões do (Id) ou do (Superego).
SUPEREGO: Origina-se com o complexo do Édipo, apartir da internalização das proibições, dos limites e da autoridade. (É algo além do ego que fica sempre te censurando e dizendo: Isso não está certo, não faça aquilo, não faça isso, ou seja, aquela que dói quando prejudicamos alguém, é o nosso "freio".)


quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Paulo Freire - Educação e Mudança - Livro

Paulo Freire - Educação e Mudança




Paulo Freire constitui sua obra tendo como base a reflexão sobre a ação educativa transformadora dos homens e do mundo, construindo um pensamento que une a ação à reflexão. Considera ainda, todos os participantes da ação educativa como sujeitos, lidando com a totalidade do ser humano e sua potencialidade como produto e produtor da História.
Nasceu em Recife em 1921 e, apesar de se formar em Direito, opta por se tornar educador. Freire alinhou-se aos segmentos progressistas da sociedade e no Chile participou de ações junto aos trabalhadores rurais. Retorna ao Brasil em 1979, participando de programas de pós-graduação e constituindo grupos de pesquisas, falecendo EM São Paulo, em 1997.
A metodologia proposta por Paulo Freire está centrada na cultura como dimensão, sua noção de diálogo está diretamente vinculada à ação, na medida em que pronuncia o mundo. Para Freire, o verdadeiro diálogo implica de uma só vez, o pensar dialético e a ação politicamente comprometida com o “outro”. Os desafios que Freire nos proporciona, são capazes de mobilizar uma mudança de um grupo social.

Paulo Freire - Educação e Transformação - Vídeo


Educação e Transformação






Este video, é uma entrevista de Paulo Freire, provocando uma reflexão sobre as exigências necessárias para a construção de uma sociedade melhor. O Educador fala sobre as suas experiências com os camponeses, sua admiração por Marx, Cristo e o MST.


quinta-feira, 8 de agosto de 2013

FILOSOFIA E EDUCAÇÃO por Anísio Teixeira

FILOSOFIA E EDUCAÇÃO

ANÍSIO S. TEIXEIRA

As relações entre filosofia e educação são tão intrínsecas que John Dewey pôde afirmar que as filosofias são, em essência, teorias gerais de educação. Está claro que se referia à filosofia como filosofia de vida. Sendo a educação o processo pelo qual os jovens adquirem ou formam "as atitudes e disposições fundamentais, não só intelectuais como emocionais, para com a natureza e o homem", é evidente que a educação constitui o campo de aplicação das filosofias, e, como tal, também de sua elaboração e revisão. Muito antes, com efeito, que as filosofias viessem expressamente a ser formuladas em sistemas, já a educação, como processo de perpetuação da cultura, nada mais era do que meio de se transmitir a visão do mundo e do homem, que a respectiva sociedade honrasse e cultivasse.
E, como que para confirmá-lo, não deixa, por isso mesmo, de ser significativo o fato de a primeira grande formulação filosófica, no Ocidente, se iniciar com os mais evidentes propósitos educativos. Os primeiros filósofos são também os primeiros mestres, procurando reformular os valores da sociedade e, na realidade, reformar a educação corrente.
Eram, pois, filósofos e reformadores. Os estudos filosóficos formais nascem, assim, como estudos de educação. Os sofistas foram os "primeiros educadores profissionais" da civilização ocidental.
O traço distintivo dessa civilização, na frase de André Siegfried, desde então consistiu no "hábito de tratar os problemas à luz da razão, liberta do mágico, do supersticioso e do irracional ".
Daí por diante, a mentalidade ocidental não mais se afastou dessa tradição, buscando subordinar a própria religião à razão e, na realidade, tôda a vida humana é um esquema coerente de idéias, compreendendo teorias do homem, do conhecimento, da sociedade e do mundo. Como tais teorias são, tôdas elas, fundadas na teoria do conhecimento, faz-se esta a teoria-chave, não só para iluminar e esclarecer as demais, como, sobretudo, para comandar as conseqüências da filosofia, como um todo, sôbre o processo educativo.
Já mencionamos que, antes de quaisquer formulações explícitas de filosofia, a humanidade havia elaborado as culturas em que vivia imersa e que lhe davam os instrumentos para a ação e para a fantasia, para o trabalho e para o consumo, para o prazer e para o sofrimento. Tais culturas continham em estado de suspensão, digamos assim, as teorias que viriam depois a ser formuladas expressamente.
Baseadas em costumes e rotinas imemoriais, as culturas, quando a história delas nos deu conhecimento, já apenas podiam mudar por acidente ou por pressões externas, por choques e conflitos, desprovida a prática dos atos humanos de qualquer elemento intencional e mesmo de qualquer plasticidade para mudança ou progresso percebidos e ordenados.
Tudo leva a crer que nem sempre foi assim e que períodos houve em que a humanidade praticou e aprendeu pela experiência, com poder criador considerável. A domesticação dos animais, a produção de animais híbridos, a confecção de ferramentas e instrumentos, a organização social e religiosa, com tôda a complexidade de ritos e instituições, demonstram que o homem usou amplamente a inteligência e a usou com eficácia e corretamente.
Com o apogeu das "civilizações" é que vamos encontrar os homens mergulhados em um estágio de triunfo e estagnação, mais devotados ao lazer e à suntuosidade do que à criação, endurecidos e cristalizados em intricados contextos de costumes, ritos e rotinas.
Os sofistas e Platão não eram, assim, os reveladores da vida grega, mas os seus reformadores. Ao investirem contra os costumes e as práticas correntes, tão hirtos e mortos, que pareciam decorrer da adaptação cega do homem aos seus rudes apetites e necessidades, criaram virtualmente a sociedade dinâmica que se iria fundar na mudança e no cultivo da mudança.
Dispondo de uma língua excepcionalmente avançada para o tempo, contavam os gregos não sòmente com êste instrumento verbal de alta perfeição como também com a disposição especial para criar, por desenhos, simbolizações intelectuais para a especulação nos campos da geometria e da matemática. Se a isso acrescermos a peculiaridade helênica de não estar a sua civilização, tanto quanto outras civilizações contemporâneas, acorrentada ao poder sacerdotal, detentor habitual e cioso do saber tradicional, teremos alguns elementos para esclarecer a mudança de direção na aventura humana, a que Renan veio chamar de "milagre grego".
Capacidade especulativa, decorrente do desenvolvimento da língua e da simbolização geométrica, aliada ao secularismo da civilização grega, deu a êsse momento histórico oportunidade para a formulação do pensamento filosófico da humanidade em condições jamais até então imaginadas. Tão definitivas se revelaram certas formulações, que A. N. Whitehead pôde afirmar que "a melhor caracterização geral da tradição filosófica do Ocidente é a de ser ela uma série de notas" - notas de pé de página, diz êle - "ao pensamento de Platão".
Não se pode, pois, analisar a filosofia de educação de nossa época sem que antes nos detenhamos nesses recuados primórdios da civilização.
A construção filosófica então erguida pelo homem é um prodígio de bom-senso e de capacidade especulativa, dentro das limitações de conhecimento do tempo. A experiência, antes criadora, se havia tornado rotina ou acidente e, esvaziada do conteúdo plástico, já não oferecia condições para progresso contínuo ou ordenado. A razão, pelo contrário, recém-descoberta, estava em pleno esplendor de criação especulativa, extasiando a imaginação grega com a maravilha das proporções, do ritmo, da simetria, da harmonia, do completo, do acabado, do ordenado, do perfeito.
Não há como admirar haver chegado Platão à concepção de um mundo racional supra-sensível, mais real que o mundo das coisas desordenadas e passageiras, e de que êste último seria apenas a sombra fugaz e ilusória. A alegoria da caverna consagrou, sob forma literária, essa concepção de um mundo de idéias, real, eterno e imutável, a que o homem podia chegar pela educação da mente e do espírito.
A descoberta do conhecimento racional, como algo em que se pudesse apoiar o homem, constituiu aquisição de tal modo segura que daí por diante as filosofias flutuaram e oscilaram, mas difìcilmente se puderam libertar e, ainda hoje incompletamente, dos quadros com que as balizou o gênio de Platão.
Duas ordens de conhecimento eram possíveis, o empírico, fundado em experiência e êrro e, por conseguinte, insuscetível de produzir a certeza, e o racional, fundado na especulação matemática e filosófica, nas leis da harmonia e da simetria, construção intelectual do espírito em sua intuição reveladora do real, do perene e do imutável.
Dar a êsse segundo conhecimento, que se elaboraria na contemplação e no lazer, a nobreza e a dignidade da única realidade que importava, era algo como uma conclusão lógica, tanto mais conseqüente quanto a sociedade grega, aristocrática e baseada na desigualdade entre homens livres e escravos, veria nessa conclusão uma justificação de seu próprio regime social.
Estavam aí os elementos para as teorias do homem e da sociedade, que Platão desenvolve na República, propondo a organização de um Estado que, mais do que nenhum outro, se iria fundar na educação e no treinamento dos indivíduos para atender às diferentes funções sociais que lhes fôssem reservadas pelas respectivas ordens de sua natureza humana.
Filosofia e educação se fazem campos correlatos de estudo e de prática, e em nenhum outro período da história se registra afirmação mais decisiva, primeiro, quanto à função da educação na formação e distribuição dos indivíduos pela sociedade e, em segundo lugar, quanto ao reconhecimento de que sociedade ordenada e feliz será aquela em que o indivíduo esteja a fazer aquilo a que o destinou sua natureza.
Como se distribuiriam os homens? A observação do senso-comum estava a mostrar que se escalonavam êles em graus diversos de capacidade mental, alguns mal se libertando dos apetites e necessidades do corpo, outros alcançando a coragem e a generosidade, e outros ascendendo, afinal, à contemplação intelectual e ao gôsto das idéias e das formas do espírito.
Com tais elementos não seria difícil a fórmula especulativa pela qual se ordenasse o complexo do mundo e do homem. O pressuposto fundamental aí estava: tudo que existe se divide em Formas e Aparências, as primeiras reais, eternas, e, só elas, suscetíveis de conhecimento, e as últimas, passageiras, mutáveis, em processo de ser mas não chegando a ser, suscetíveis apenas de produzir opiniões e crenças, sem valor de saber, isto é, saber racional.
O conhecimento das Formas é uma intuição mediata do intelecto sob a provocação dos sentidos, e o fim do homem é a contemplação dessas Formas. Composto de alma e corpo, substâncias diversas e, de certo modo, independentes, o homem, pela alma, que não é pròpriamente Forma, mas aparentada com as Formas e aprisionada no corpo, vive num aspirar ao mundo das Formas, que é o seu verdadeiro mundo. Como o corpo pertence ao mundo das aparências, cabe-lhe subordinar-se à alma e ser atendido apenas em seus apetites "necessários", e em grau mínimo. Alcança o homem o seu destino na medida em que se liberta das ilusões e aparências e depara com o mundo das realidades ou das formas, que vem a conhecer pela atividade intelectual e a amar pela sua harmonia e beleza.
A natureza e a sociedade decorrem dêsses pressupostos, distribuindo-se os homens na medida em que se libertam do corpo e ascendem na capacidade de contemplação da Verdade, do bem e do belo, isto é, do conhecimento, que produz a virtude como uma conseqüência. Aos filósofos, que seriam, por excelência, tais homens, competiria a função de govêrno, descendo, depois, a hierarquia aos capazes de generosidade e coragem (defensores), até aos artesãos e produtores, dominados pelos apetites e sentidos. A sociedade é, assim, rigorosamente aristocrática e se funda na desigualdade e que os homens se distribuem por êsses três degraus da escala humana.
Temos nessa filosofia, aí tôscamente esboçada, uma teoria do universo, uma teoria do homem e uma teoria da sociedade, que vêm governando a vida humana e a educação no Ocidente até os nossos dias.
Absorve-a, depois de longos séculos de confusão, o cristianismo, que lhe acrescenta as teorias da criação e do pecado original. Compreende-se a fascinação dos primeiros filósofos da Igreja pelo pensamento platônico. Parecia uma antecipação ao pensamento eclesiástico em elaboração e uma fundamentação teórica para os pressupostos orientais da religião nascente.
Pela teoria platônica, a natureza não chegava a ser digna de estudo e os homens estavam todos distribuídos em três classes, apenas, de indivíduos, conforme atingissem os dois únicos níveis de desenvolvimento além do nível dos simples apetites do corpo. Aos dêsse último grupo caberia o trabalho, para atender às necessidades da matéria; aos que, ultrapassando os apetites, alcançassem a coragem e a generosidade, competia a defesa da sociedade; e, finalmente, aos que se elevassem ao estágio da razão e da visão universal, o poder e o govêrno.
A educação seria o processo pelo qual os indivíduos desvendariam suas potencialidades e se distribuiriam pelas diferentes classes, formulando, dêsse modo, o filósofo grego a mais perfeita teoria das funções de processo educativo.
Não lhe foi, porém, intelectualmente possível prever nem a unicidade de cada indivíduo, nem a extrema variedade de suas potencialidades, o que o levou a um conceito aristocrático de sociedade e, em rigor, depois de realizado, a uma forma limitada e estática para essa mesma sociedade.
A idéia da criação do mundo e a do pecado original, trazidas pelos cristãos e oriundas da tradição judaica, viriam, por um lado, tornar a "natureza" respeitável, por haver sido criada por Deus, e, por outro, dar nova explicação aos elementos constitutivos do homem, já agora carne e espírito, os quais, longe de serem suscetíveis de contrôle pelo desenvolvimento do espírito, se encontrariam em luta permanente, não sendo a vitória do espírito sôbre a carne o privilégio de alguns, mas a luta de todos os homens, do mais humilde ao mais bem dotado.
Não se alteram as grandes estruturas do mundo, do homem, da natureza e da sociedade, mas surgem duas novas linhas de desenvolvimento. A primeira é o fermento democrático, decorrente da igualdade substancial de todos os homens; a segunda é a de estudo da "natureza", como algo em que se esconderiam as formas, pois já não era a natureza a extravagância de um demiurgo, mas a criação de Deus.
O dualismo de forma e matéria, assim tomado aos gregos na formulação aristotélica, viria, mais tarde, sofrer a reformulação tomista e reconciliar-se com a doutrina judaico-cristã, dando origem ao desenvolvimento moderno e às filosofias de Bacon, Descartes, Locke, Kant, Fichte e Hegel, tôdas oriundas e, no fundo, destinadas apenas a complementar Platão, em face da evolução da sociedade e dos conhecimentos humanos.
Ainda na Idade Média, os primeiros estudiosos da "natureza" já se chamam de platonistas, pois estão a buscar, além das aparências e do bom-senso, o segrêdo das formas, de que a natureza seria a cópia ou a imitação.
Por outro lado, os homens passaram a ser julgados pelo esfôrço com que lutavam pela vitória do espírito sôbre a carne, e o mérito humano, em oposição ao critério grego, a se medir pela sinceridade na luta e não pelas vitórias alcançadas.
São dois elementos quase-novos, a vontade do homem na luta entre o bem e o mal e o julgamento do homem pelas intenções. O grego virtuoso e sábio era um vitorioso de fato. Havia-se desenvolvido até alcançar o saber e a virtude. O cristão virtuoso era um lutador, sempre vencido e sempre em luta, a ser julgado não pelos resultados, mas pelas intenções e pela intensidade da vontade de luta.
Por isso mesmo, a fórmula platônica era intelectualista e aristocrática e a fórmula cristã "voluntarística" e "potencialmente" democrática, na expressão de W. H. Walsh, resumindo-se nestes pontos as diferenças mais substanciais, originárias em essência da distinção entre a concepção grega de alma e corpo e a cristã de espírito e carne. Recordemos que, para São Tomás, corpo e espírito constituiriam certa unidade, o que dificulta o conceito de imortalidade, e leva os cristãos ao dogma da ressurreição dos corpos, proeza de raciocínio que, de certo modo, santifica o corpo na luta de espírito sôbre a carne e ameniza os rigores do ascetismo helênico.
É com êstes novos elementos que elabora Bacon a primeira revolta, com a reformação da teoria do conhecimento racional. Legitimado o estudo da natureza, e dignificado o corpo humano, de um lado sob a inspiração platônica, de que a natureza escondia as formas do real, e, de outro, sob a inspiração cristã, de que a natureza era obra de Deus, o novo filósofo lança as bases da experimentação como processo do conhecimento e cria o novo conhecimento racional, o das leis da natureza reveladas, não pela simples especulação intelectual, fundada na observação do bom-senso, mas pela especulação intelectual fundada nos novos processos de experimentação.
A formulação medieval da filosofia platônica, mantendo o mesmo critério do racional que recebera dos gregos, "antecipava a natureza", emprestando-lhe características arbitrárias e fundadas em opiniões humanas, que importava substituir pela descoberta de suas verdadeiras leis. Para tais descobertas se inventara o método experimental, que mais não era que o método imemorial de observar a manipular as coisas, a fim de ver o que se podia fazer com elas; no fim de contas, o método do trabalho humano.
O encontro entre o trabalho e o conhecimento, desde que, dezenove séculos antes, se dera o encontro entre a razão e o conhecimento, constitui a segunda grande revolução da inteligência humana.
Platão substituíra o mágico, o supersticioso, o "empírico", no sentido de acidental, o costume, a rotina, pela reflexão especulativa racional, mas tal reflexão revelaria uma verdade estática e puramente lógica. Rompendo com a natureza e com os processos empíricos de trabalho, que não julgava sequer dignos de estudo, achara a solução para sociedades aristocráticas e reduzidas, capazes de viver de literatura e de lazer.
Sòmente Bacon abre as portas para as sociedades numerosas e ricas, em perpétuo desenvolvimento, ao trazer o conhecimento racional para o campo do prático, com o que inaugura nova era de criação e originalidade permanentes para a espécie humana. As sociedades destinadas a mudar e agora devotadas ao culto da mudança ressurgiram afinal sob o céu.
A volta à observação, que as concepções platônicas, de certo modo, haviam tornado possível interromper, religa o espírito científico aos períodos anteriores à época de Platão e de Aristóteles, restaurando cosmologia anteriormente descoberta e criando, com o método experimental, uma física e uma nova ciência da natureza.
As estruturas do pensamento lógico e filosófico são as mesmas de Platão, mas abre-se um campo novo de estudos e se refazem, pela experimentação, os métodos de observação, antes os do senso-comum e, agora, os da pesquisa e da descoberta.
São estas estruturas de pensamento que retoma Descartes, no século XVII, para reformular o que se veio chamar de filosofia moderna. A sua posição, entretanto, ainda é a de um platonismo-cristão.
Conserva o dualismo de res cogitans e res extensa, em substituição ao de formas e aparências; recria o conceito platônico de conhecimento pela "intuição intelectual"; recomenda a observação antes com o ôlho da mente do que com os olhos dos sentidos; e antecipa os conceitos de Leibnitz de "cognitio intuitiva" como base da "cognitio symbolica", ou descritiva. Acrescenta, contudo, para mostrar a origem cristã de sua posição, a idéia da alma dotada das faculdades de compreender e de querer, esta mais extensa do que aquela, dando origem ao primado da vontade, que vai encontrar em Kant a sua expressão mais decisiva.
Com efeito, Descartes consolida a liberdade para o estudo da ciência física, separando as esferas de influência entre o mecânico e o espiritual. Deixa êste para os teólogos e moralistas e o mundo físico para os cientistas, de certo modo reconciliando os esforços de uns e outros.
É Kant, porém, que tenta a última pacificação, com o seu dualismo, ainda platônico, entre noumeno e fenômeno. Todo conhecimento é conhecimento de fenômeno, ou de aparências. O categórico absoluto só é possível no campo da razão prática. Substituiu-se pela fé o conhecimento. "Pura fé prática" é, afinal, o motor da ação humana. O homem progride nesse campo, não pelo conhecimento mas pela vontade e pela experiência ancestral da vida humana. O primado do prático sôbre o teórico faz dêle, já o disse alguém, o filósofo do protestantismo, e mostra as suas raízes cristãs. A estrutura dualista do seu pensamento é platônica, mas as conseqüências são "voluntarísticas" e cristãs.
Tôda essa tradição filosófica se reflete na educação, com a sua organização intelectualista e a sua prevenção contra o técnico. Seja o sistema inglês, seja o francês, seja o alemão, são organizações educativas fundadas na teoria do conhecimento pela intuição intelectual, na teoria moral do treino da vontade, na nobreza de estudos literários e na prevenção contra o prático e o técnico. Bacon ficará, ainda por muito tempo, simples profeta da ciência.
Até nos tipos de escolas encontra-se a hierarquia platônica, com a maior dignidade assegurada às formas contemplativas do saber, depois, em uma segunda ordem, as do conhecimento científico experimental e, afinal, as de ensino prático ou técnico, como último escalão da ordem educacional.
Quase que até o fim do século XIX pode-se considerar pacífica essa classificação, sendo as instituições educativas mais famosas as instituições em que Platão fàcilmente se reconheceria, com alguns rápidos esclarecimentos sôbre modificações de detalhes em suas concepções. Os próprios empiricistas, a despeito de divergências aparentes, não repudiavam os pressupostos básicos de Descartes, e dêste modo também se ligavam a Platão.
Só recentemente essa tradição entrou em real ataque, com o repúdio ao cartesianismo e ao kantismo, mas não se pode dizer que os novos filósofos já estejam influindo decisivamente nas instituições educativas.
Estas vêm de origem demasiado remota para se transformar ràpidamente, e os professôres, em sua esmagadora maioria, refletem a posição filosófica tradicional e não a que começa a se esboçar em face da nova ciência das culturas e dos novos desenvolvimentos da filosofia científica.
A filosofia mais recente repele o conceito cartesiano de alma e o seu conceito de conhecimento. Alma passa a ser um nome para designar certas formas de comportamento humano, suscetíveis de explicação natural, e o conhecimento, a descoberta muito mais de "como" são as coisas do que de "que" são elas.
A busca da certeza que moveu Descartes continua a motivar os filósofos, mas êstes se mostram bem mais modestos e começam a se contentar com a garantia provisória da prova experimental em constante processo de renovação. Do lado lógico, o progresso tem sido sensível, considerando-se diversas formas de lógica, fundadas em convenções diversas, válidas segundo os casos a que se aplicam. A ciência tôda se vem fazendo convencional, em sua parte matemática, e experimental, na parte física, com reflexos poderosos sôbre as filosofias.
Assim que se generalizarem os novos conceitos sôbre a natureza do homem, a natureza do conhecimento e a natureza do comportamento social e moral do homem, a educação refletirá os novos conceitos, que, depois, se verão institucionalizados nas escolas.
Com efeito, o método desenvolvido pela pesquisa científica - originário do retôrno à experiência recomendada inicialmente por Bacon, depois de séculos de pensamento puramente especulativo e racional - constituiu algo de tão característico e amplo que veio a refletir-se sôbre a filosofia, produzindo primeiro os "empiricistas", depois, em contraste com êsses, os "racionalistas", e afinal os "pragmatistas", "instrumentalistas" ou "experimentalistas", que buscam reconciliar as posições dos dois primeiros mediante uma reconstrução fundamental dos conceitos de experiência e de razão, à luz dêsse novo método científico.
A reformulação dêsses conceitos se fêz em face da alteração real sofrida pela natureza do ato de experiência e das modificações introduzidas na psicologia pelo progresso da ciência biológica.
A mudança do caráter da experiência pode ser condensada na diferença entre os têrmos "empírico" e "experimental". A experiência, no conceito tradicional, consistia no processo de tentativa e êrro, só podendo produzir o saber por acidente, saber que se consubstanciava em hábitos e procedimentos cegos, os quais, por sua vez, se cristalizavam em costumes e rotinas hirtos e duros. Daí ser a experiência um instrumento de escravização ao passado e não de renovação e progresso. A experiência, como a concebeu Bacon, seria a Experimentação, o produzir voluntàriamente a experiência para se conseguir o resultado novo e o novo conhecimento.
A psicologia dos séculos dezessete e dezoito retardou, se não impediu, que se extraísse dêsse novo conceito da experiência uma teoria experimental do conhecimento. O atomismo associacionista dos "empiricistas" teve, por certo, a sua eficácia no desencorajamento das racionalizações especulativas, mas não forneceu os elementos para uma teoria satisfatória do saber, dando assim lugar ao surgimento dos "racionalistas", que buscaram completar o vácuo produzido pela psicologia inadequada dos sensacionalistas, com os conceitos e categorias a priori de Kant e dos pós-Kant.
Foi a abordagem, antes biológica do que psicológica, já no século XIX, do fenômeno da experiência humana que permitiu desenvolver-se o conceito de experiência como interação do organismo vivo com o meio, e elaborar-se uma teoria psicológica adequada à explicação do comportamento humano face à experiência e ao conhecimento.
Segundo essa teoria, o processo de vida é uma seqüência de ações e reações, coordenadas pelo organismo para o seu ajustamento e reajustamento ao meio. Os sentidos e as sensações não são meios ou caminhos do conhecimento, mas estímulos, provocações e sugestões de ação, mediante os quais o organismo age e reage, ajustando-se às condições ou modificando as condições para êsse reajustamento.
Conhecimento ou saber é um resultado, um derivado dessa atividade, quando conduzida inteligentemente. A mente não é algo de passivo em que se imprima o conhecimento, nem a razão uma faculdade superior e isolada que elabore as categorias, os conceitos. Êstes conceitos ou categorias resultam da percepção das conexões e coordenações dos elementos constitutivos dos processos de experiência e constituem normas de ação ou padrões de julgamento.
A integração dêsses novos conceitos na filosofia veio permitir a sua reformulação, com a elaboração de uma teoria geral do conhecimento fundada no método do conhecimento científico, uma teoria da sociedade adaptada aos novos meios de trabalho industrial criados pela ciência e uma nova teoria política da democracia, a qual essa mesma ciência veio afinal tornar possível. Em nosso continente, de forma mais marcante, contribuíram para essa reconstrução os pensadores William James, Ch. S. Peirce e John Dewey.
A designação mais corrente dessa filosofia como "pragmatismo" e a identificação de pragmatismo com a frase saber é o que é útil concorreram para incompreensões, deformações e críticas as mais lamentáveis. John Dewey, a quem coube a formulação mais demorada e mais completa dêsse método de filosofia (mais do que sistema filosófico), muito se esforçou para afastar as confusões e desinteligências, e a sua contribuição foi decerto das maiores, se não a maior, na emprêsa de integrar os estudos filosóficos de nossa época no campo dos estudos de natureza científica, isto é, fundados na observação e na experiência, na hipótese, na verificação e na revisão constante de suas conclusões.
Coube a Dewey a formulação do método, o método de "inteligência", como prefere êle chamá-lo, para caracterizar a sua revisão do conceito de razão e experiência. Mas o que será a filosofia do nosso tempo ainda irá depender do trabalho de inúmeras pessoas que, devotando-se à filosofia, realizem, nessa esfera, o que os cientistas realizaram e vêm realizando no campo da ciência.
A generalização do novo método do conhecimento humano ao campo da política, da moral e da organização social, em geral, será a grande tarefa das próximas décadas. John Dewey marcou os rumos e balizou as linhas para essa marcha da inteligência experimental por êsses novos campos, marcha que nos há de dar uma nova ordem, mais humana do que tudo que até hoje tenhamos conhecido.
Nenhum grande filósofo moderno foi mais explícito do que Dewey na necessidade dessa transformação educacional imposta pela filosofia fundada na nova ciência do mundo físico e nova ciência do humano e do social.
Chegou êle a formular tôda uma filosofia da educação, destinada a conciliar os velhos dualismos e a dirigir o processo educativo com espírito de continuidade, num permanente movimento de revisão e reconstrução, em busca da unidade básica da personalidade em desenvolvimento.
Dewey, cujo centenário de nascimento se celebra neste ano de 1959, continua a ser um simples precursor, não se revelando sua influência no sistema educacional dos Estados Unidos, onde nasceu e viveu, nem muito menos em outros países, senão em aspectos superficiais e secundários.
Não há maior êrro do que supô-lo seguido e, ainda menos, dominante no sistema escolar norte-americano. Sem dúvida, foi profundíssima a influência da vida americana, do caráter prático de sua civilização, sôbre o pensamento de John Dewey. Êste pensamento, porém, na sua mais fecunda parte original, no seu esfôrço de conciliação das contradições e conflitos da vida moderna, ainda não logrou implantar-se e está mesmo ameaçado de se ver ali e na parte que lhe é oposta do mundo, submergido por um refluxo das velhas doutrinas dualistas, de origem platônica, hoje em franca popularidade no Leste e no Oeste.
Antes que a influência de Dewey se possa estabelecer com qualquer extensão e profundidade, ter-se-á de resolver o problema que se poderia considerar o do materialismo ou naturalismo cultural, isto é, se a conduta humana será suscetível de estudo científico. Para Dewey, isto será essencial, a fim de se restabelecer a eficácia da formação moral pela escola.
De certo modo, Dewey, neste ponto, volta a uma concepção que não se distancia da de Platão, não no aspecto dualista de sua doutrina, mas no aspecto em que une o conhecimento e a virtude.
O comportamento moral para Dewey é aquêle que leva o indivíduo a crescer, e crescer é realizar-se mais amplamente em suas potencialidades. E como tais potencialidades sòmente se desenvolvem em sociedade, o indivíduo cresce tanto mais quanto todos os membros da sociedade crescerem, não podendo o seu comportamento prejudicar o dos demais porque com isto o seu crescimento se prejudica.
Com êste critério naturalístico de moral, abre-se a possibilidade de seu estudo científico, e com êle o da generalização de processos de conduzir a educação de forma objetiva ou científica.
Discordam os filósofos inglêses atuais dessa possibilidade, reabrindo a velha questão e, de certo modo, insinuando o dualismo kantiano de razão pura e razão prática.
Mas a correção se fará se prevalecer o conceito integrado do social, como a mais ampla categoria do real, em que o indivíduo encontra as suas formas de desenvolvimento. Por isto mesmo, mais do que o exame de aspectos mais recentes dos desdobramentos filosóficos e de suas repercussões inevitáveis sôbre a educação, cabe analisar mais demoradamente o fenômeno da democracia como forma do social, o qual recomeçou a medrar, depois das ruínas das civilizações antigas, com a filosofia cristã-medieval, vindo afinal, na época moderna, a implantar-se definitivamente e impor a mais ampla reconstrução educacional.
Já afirmamos que os filósofos cristãos, com a identificação do corpo e da alma em uma só unidade e a teoria da virtude como resultado da luta voluntária do homem contra a carne e pelo espírito, haviam criado a possibilidade da democracia, dando a cada homem o valor da medida em que lograsse triunfar moralmente.
O cristianismo constituiu-se, assim, uma teoria potencialmente democrática. Em sua pureza doutrinária, permitiria a democracia. O exemplo das ordens religiosas é bem eloqüente.
Na realidade, entretanto, não produziu a democracia e se ajustou a condições sociais as mais contraditórias, até que o renascimento e a reforma protestante vieram, aparentemente, renovar as esperanças de se estabelecer a democracia.
Com os fatos novos do "livre-exame" religioso e a revolução científica baconiana, a democracia, efetivamente, se faria possível, de um lado, pela revolução industrial, que Bacon profetizara e que de fato veio a confirmar-se, e, de outro, pela liberdade religiosa.
As fôrças da tradição foram, porém, mais fortes, reduzindo-se a liberdade religiosa a controvérsias baseadas nas velhas formas de argumentação da Idade Média, exatamente do tipo da atividade intelectual que Bacon condenava, e a experimentação científica conservando-se extremamente reduzida e limitada, aproveitados os seus resultados pelos que estavam em condições econômicas de explorá-los em seu proveito.
Embora estivesse superada a teoria do conhecimento que justificaria a preeminência do conhecimento de natureza puramente intelectual ou literária, o fato de não ser a cultura européia nativa mas, na sua parte mais significativa, herdada das civilizações antigas, concorria para que a educação, sob o pretexto de humanismo, se fizesse sobretudo por meio das letras gregas e latinas, incluindo-se entre elas, quando muito, a matemática e a filosofia natural. Será impossível exagerar o vigor da resistência das tradições escolásticas da Idade Média no sistema escolar da época moderna e mesmo contemporânea, sobretudo no ensino secundário e superior.
A cultura chamada "acadêmica", isto é, de letras, domina ainda na segunda metade do século XIX as universidades inglêsas, e sòmente na Alemanha e na França já tem então certa, mas pequena, influência o ensino de ciências e da tecnologia científica.
À maneira de Platão, pululam os dualismos, sendo um dos mais influentes o do espírito e matéria, considerada a ciência como estudo da matéria, e continuando a mente como algo de puramente subjetivo, confiado o seu estudo às especulações filosóficas.
Até o século XIX, com efeito, a ciência não vai além do mecânico, e a própria biologia está ainda a aguardar Darwin para revolucioná-la com aOrigem das Espécies.
A despeito, pois, do novo método do conhecimento científico e a despeito da riqueza crescente produzida pela revolução industrial, acelerada pela revolução científica a partir dos fins do século XVIII, continua a dominar a civilização chamada moderna uma filosofia de tipo platônico, cujo dualismo fundamental se vê multiplicado nos dualismos de atividade e conhecimento, atividade e mente, autoridade e liberdade, corpo e espírito, cultura e eficiência, disciplina e interêsse, fazer e saber, subjetivo e objetivo, físico e psíquico, prática e teoria, homem e natureza, intelectual e prático, etc. - que continuam a impedir a constituição da sociedade democrática, definida como sociedade em que haja o máximo de participação dos indivíduos entre si e entre os diferentes grupos sociais em que se subdivide a sociedade complexa, diversificada e múltipla em que se vem transformando a associação humana.
Não cabe nos limites dêste artigo estendermo-nos sôbre as deformações geradas por todos aquêles dualismos, pela natureza puramente mecânica do progresso material e pelo grau em que se viu frustrado o individualismo, mais econômico do que humano, dos séculos dezoito e dezenove.
De qualquer modo, porém, todo o grande problema contemporâneo continua a ser o da organização da sociedade democrática, com uma filosofia adequada, em face dos novos conhecimentos científicos, das novas teorias do conhecimento, da natureza, do homem e da própria sociedade democrática.
Essa filosofia, que irá determinar a educação adequada à nova sociedade democrática em processo de formação, já se acha esboçada na grande obra de John Dewey, que a traçou tendo em vista, mais especialmente, a sociedade americana, a qual, por um conjunto de circunstâncias, constitui a sociedade que, històricamente, mais se viu sob a influência direta do espírito oriundo dos movimentos pré-democráticos dos séculos XVI e XVIII e mais liberta das influências do feudalismo e da Idade Média.
Como as filosofias, em suas formulações teóricas, ocorrem sempre a posteriori, mais como explicações ou justificações das culturas existentes, ou predicações para sua reforma, revisão e reconstrução, não se consegue a sua implantação senão depois de longos esforços e lutas.
A educação institucionalizada em escolas resiste, de todos os modos, à ação das novas idéias e novas teorias, e só lentamente se irá transformando, até chegar a constituir verdadeira aplicação da nova filosofia democrática da sociedade moderna.
No Brasil, onde se desenvolve, em novas condições, a mesma civilização ocidental que estivemos analisando, a educação, de modo geral, reflete os modelos de que se originou, só recentemente apresentando os primeiros sinais de desenvolvimento autônomo.
Em linhas gerais, a filosofia de educação dominante é a mesma que nos veio da Europa e que ali começa agora a modificar-se sob a impacto das novas condições científicas e sociais e das formulações mais recentes da filosofia geral contemporânea.


Também aqui, à medida que nos fizermos autênticamente nacionais e tomarmos plena consciência de nossa experiência, iremos elaborando a mentalidade brasileira e com ela a nossa filosofia e a nossa educação.

TEIXEIRA, Anísio. Filosofia e educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.32, n.75, jul./set. 1959. p.14-27.